I
Ele estava sentado naquele bar perto da casa de sua família esperando o tempo passar,
ele se cansar ou alguém sentar para que ele pudesse jogar papo pro ar, como sempre
fazia com os bêbados que queriam tomar umas e outras de graça, aliás, curioso que ele
não estava bebendo, pois nunca reclamou de beber sozinho.
Foi nesse momento de reflexão que passou por ele dois ex-colegas de escola com suas
respectivas esposas ou namoradas, ele nunca sabia, pois nunca contavam as "novidades"
a ele que, de fato, não procurava ou não se importava.
Como ele nunca foi de ter amigos, na verdade, os outros sempre caçoavam dele, ele não
deu atenção suficiente, apenas os deixou passar como quem não os conhecesse justamente
para não ter que sentar e ter que aturá-los, pois sempre era alvo de piadas. Para sua
infelicidade os ex-colegas o viram e decidiram parar para "relembrar" os velhos tempos.
"Ora, olá Domingues", disse o mais alto, "quanto tempo", com uma ironia irritante.
"Olá Maciel, Rodrigo, garotas.", tentando encerrar a conversa, pois sabia que nada de
bom sairia daquela conversa, infelizmente, ao chamar as acompanhantes de garotas ele não
sabia que tinha dado motivos o suficiente para que eles não saíssem tão cedo dalí.
"Garotas!!" respondeu Graciano, "essa é minha noiva, pretendemos nos casar logo e essa
outra é a esposa do Maciel", com um brilho duvidoso nos olhos, não pelo amor, paixão ou
sei lá o quê, que eles deviam sentir por elas, mas com um brilho cujo alvo seria a humi-
lhação do pobre Domingues, aquele cuja atenção sempre fora chamada pelos professores de-
vido a cochilos em aulas, apesar de sempre ser o primeiro em notas na classe.
Como Domingues nunca tinha reagido a insultos ou ironias eles sempre se sentiam no di-
reito de usá-lo como alvo de piadas, mas anos morando sozinho, conhecendo a vida como ela
deve ser o mudaram e ele, mais sábio, resolveu aproveitar a deixa convidando-os para se
sentarem. Pediu duas cervejas e cinco copos, as mulheres recusaram, ficaram os três
bebendo.
Domingues virou o primeiro copo e em apenas um gole toda sua cerveja tinha-se ido "Ah...
'Pivô'", disse ele, os outros dois sem entenderem nada, "então vocês já estão 'arranjados'?"
"Sim", disse Maciel, "você não se põe a par dos assuntos da cidade não?"
"Apenas quando me interessam", disse Domingues, virando o segundo copo e exclamando nova-
mente: "Ah... 'Pivô'", o que fez os dois rirem de zombaria, pois eles sabiam que logo ele
ficaria embriagado.
"Sabe", Domingues disse para os dois, os olhos fixos no nada, "como nada aqui me interessa
então não me preocupo em obter informações. Venho aqui apenas pela minha família que ainda
mora nessa cidade. Conte-me então, já que estamos aqui, quais as novidades? Você, Maciel,
como está casado creio já ter um emprego fixo não? Em quê mesmo formastes? Odontologia?",
mais um copo, outra exclamação.
"Sim", disse Maciel, "Odontologia, casei-me e me mudei para cá, onde montei um consultório,
eis meu cartão" e entregou-lhe um cartão branco, com um logotipo azul, vermelho e amarelo que
doía os olhos até mesmo do ser com o menor senso de estética visual. "Precisando, pode ir se
consultar lá", disse ele se gabando da profissão.
"Pode ser. E você Rodrigo?" questionou Domingues ao segundo.
"Estou advogando, sabe, meu pai tem a empresa, estou com ele".
"E você? Está morando onde?", foi o questionamento comum, dirigido a Domingues.
"Estou em São Paulo", resposta seca pois sabia o rumo da conversa que ambos buscavam: quem
ganha mais é o melhor.
Virou outro copo.
"Vocês não vão beber?" perguntou aos dois, "ainda nem deram o segundo gole?".
"Nós estamos bebendo devagar. Para apreciar a bebida. Sabe, um sábio, a um ignorante, melhor
aprecia a cerveja". Respondeu Rodrigo, o mais soberbo da turma desde a 4a. série.
"Sim, quando se fala de cerveja e não de um produto industrializado cujo processo de
fermentação é adulterado com acidulantes para acelerar a produção visando o lucro de maneira a
colocar um produto de qualidade mediana mais rápido no mercado. Além do mais, tem álcool e isso
é o suficiente. Se vocês estivessem de carro eu até entenderia." e bebeu mais um copo.
Maciel e Rodrigo se entreolharam, deram um sorriso amarelo a Domingues, o qual começou a se
sentir confiante.
"Está fazendo o quê da vida?", a pergunta fatídica feita por Rodrigo a Domingues.
"Estou procurando um doutorado...", respondeu.
"Você não acha que está na hora de sair da Faculdade?", perguntou Maciel.
"Não procuro faculdades, mas sim Universidades, são melhores, com mais espaço para pesquisas
multidisciplinares", disse Domingues um pouco antes de perguntar o preço da cerveja e contar
quanto de dinheiro ainda lhe restava.
"Mas mesmo assim, não está na hora de se firmar e arrumar um bom emprego assim como nós? Olhe
para você, sentado sozinho, nesse bar sujo, já quase bêbado e, pelo que pude perceber, com pouco
dinheiro."
Domingues esperava por isso, eles deram a deixa para que ele começasse o processo de
ridicularização de ambos, mas antes, bebeu mais dois copos, como que para pensar, quase caindo
quando terminou o segundo.
"Retifico, já bêbado", disse Domingues, "porém não menos capaz".
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