20041219

Recursividade

-Acorcou transpirando e ofegante. Um pesadelo, talvez, mas a mente não recordava. Estava cansado, dormira pouco, mas tinha que ir ao trabalho. Completou a rotina matinal, tomou seu café, um banho e vestiu-se. O trânsito estava estranhamente livre e chegar à empresa não foi um sacrifício, como acontecia diariamente.
-Não havia nada estranho no trabalho, as mesmas rotinas de sempre, papéis e mais papéis a serem preenchidos. Trabalho tedioso, precisava de algo mais excitante.
-Eram 6 horas da noite. Já havia terminado o trabalho, chovia. Nas ruas os carros raramente passavam e, à pé, um casal.
-Eles andavam pelas calçadas molhadas, casualmente um olhando para o outro. Pareciam um casal comum, ele com sua camisa polo e calças jeans, ela com um vestido discreto, porém, a falta de uma aproximação entre eles denotava algo errado.
-Não era possível deduzir que eram apenas amigos, pois os olhares tinham uma cumplicidade maior que os demonstrados pela amizade. Só então foi percebido o que incomodava.
-O casal parecia familiar. Eles conversavam baixo, mas faziam gestos em demasia. Gestos que denotavam uma tensão predominante, algo que os preocupava muito.
-Decidir seguí-los foi um ato impensado, isso já havia tornado-se rotina, fazia por hobby, era sua forma de excitação.
-Ao virarem a esquina, em um beco, o casal foi perdido de vista. Será que notaram que estavam sendo seguidos?
-O beco não tinha saída. Havia apenas uma porta que se abria por dentro, entrada (ou saída) de funcionários de um café. Cada canto do beco fora examinado e, apesar da poeira, não foram encontradas pegadas. Não se lembrava da existência de um café por aquelas regiões, mas a conhecia tão pouco que considerou como um novo estabelecimento.
-As escadas de incêndio estavam recolhidas. As latas de lixo estavam em seu devido lugar. Nada indicava a presença do casal.
-Do outro lado da parede limíte do beco, uma casa. Seu aspecto antigo era o responsável por rotulá-la de mal-assombrada, embora o único evento reconhecidamente estranho tenha sido o desaparecimento misterioso de um casal qua havia alugado o imóvel. O inquilino registrava queixas constantes sobre os moradores, de atrasos no pagamento a problemas estruturais causados por mau uso da estrutura. Isso ocorreu a dois anos atrás. Agora era apenas uma casa com aspecto antigo, estava sendo usada como uma creche.
-Ao entrar no café ao lado o gerente foi questionado sobre o suspeito casal. O local fora verificado e, embora nenhuma informação tenha sido encontrada, o gerente foi avisado para ficar atento. O local estava vazio.
-O dia tinha sido difícil e era necessário voltar para casa e tirar um merecido descanso. A sensação de desconforto com o ocorrido era grande e a mente vagava como um navio à deriva. Encontrou a esposa já deitada, eram 8 horas da noite. O tempo passa quando não é percebido.
-Ao tomar banho foi percebido um pequeno corte no dedo. Sangrava pouco, mas a dor era imperceptível. Como aquilo foi ocorrer? Uma vacina anti-tetânica, sempre em estoque devido à antiga natureza do trabalho, foi aplicada.
-Apesar do cansaço, o sono não era suficiente para dormir. Assitir TV era uma alternativa, uma vez que a biblioteca não tinha sofrido nenhum acréscimo. Os programas que passavam não agradava e ao achar um noticiário, a notícia em evidência o surpreendeu.
Um casal, aparentemente normal, tinha sido encontrado morto num beco sem saída em uma cidade vizinha. A descrição era semelhante à do casal avistado algumas horas mais cedo, porém, não era idêntica. Ele estava de terno. Ela, com uma roupa "sensual". Aparentemente uma meretriz. O "Rigor Mortis" não tinha sido identificado. De fato, o tempo da morte era incerto.
-Haveria alguma ligação entre o casal que fora seguido? A mente já não conseguia acompanhar o raciocínio e o sono logo veio, pesado e conturbado.
-Acordou transpirando e ofegante. Um pesadelo? Não lembrava. Foi ao banheiro e lavou o rosto. Olhou-se no espelho, mas não havia espelho, estava quebrado, não se lembrava desde quando.
Deitar-se não foi uma decisão, mas uma necessidade. O sono ainda era predominante, mas já eram 4 horas da manhã. Dormir um curto sono extra, mesmo já tendo dormido o suficiente, sempre deixava o corpo cansado, mas não havia escolhas.
-Adormecer não foi uma questão de tempo. Aconteceu logo que o corpo caiu na cama. Viu-se ao lado de uma mulher, estava usando camisa gola polo e calça jeans. Ela com um vestido discreto. Chovia.
-Andavam pela calçada conversavando sobre sonhos, conversavam baixo, mas gesticulavam muito. Perceberam que alguém os seguia, o senso de perigo era grande e decidiram despistá-lo cortando caminho por um beco. Perceberam, tardiamente, que era um beco sem saída.
-Acorcou transpirando e ofegante...




Spy